sábado, 2 de junho de 2007



Duas biografias reerguem o mundo de Maysa
Os muitos amores, a música, a depressão e os 30 anos da morte da cantora são retratados em novos livros

JOÃO MÁXIMO

Maysa acaba de se tornar a mulher mais biografada em livro de toda a história da música popular brasileira (depois, é claro, de Carmen Miranda). Primeiro, foi o perfil traçado em 2004 por José Roberto Santos Neves: Maysa (coleção "Grandes nomes do Espírito Santo", Contexto Editora). Agora, são dois volumes mais ambiciosos, lançados por ocasião dos 30 anos de sua morte: Meu mundo caiu — A bossa e a fossa de Maysa, de Eduardo Logullo (Editora Novo Século) e Maysa — Só numa multidão de amores, de Lira Neto (Editora Globo).

E por que mais Maysa que outras mulheres de vida e carreira tão biografáveis quanto as suas, casos de Elis Regina, Dalva de Oliveira, Isaura Garcia, ou mesmo de Chiquinha Gonzaga, a quem já foram dedicadas duas biografias? Resposta: nenhuma viveu tão plenamente suas canções, nenhuma teve vida tão dramática, nenhuma foi tão fascinantemente rebelde, tão à frente do seu tempo, e certamente nenhuma somou tanto carisma à força de uns olhos verdes nos quais Manuel Bandeira viu "dois oceanos não pacíficos".

Livros têm abordagens diferentes da cantora

Esta grande personagem — tão grande quanto a cantora e bem maior que a compositora — está presente nos três livros. De forma singela, no de Santos Neves (resenhado pelo autor destas linhas no GLOBO de 21 de novembro de 2005). Apaixonada, no de Logullo. E realista, no de Lira Neto. A escolha do leitor fica por conta de até onde vai sua curiosidade por Maysa e de que modo prefere satisfazer essa curiosidade.

Se em linhas gerais, sem maiores aprofundamentos, vale o primeiro livro. Se o leitor aceita a romantização da história, melhor é o segundo. Mas, se quer mesmo saber quem foi Maysa, sua vida, sua música, seu tempo, o mundo em que viveu, tudo isso numa narrativa jornalística (os três autores, aliás, são jornalistas), deve ir direto ao terceiro.

É verdade que Lira Neto dispôs de trunfos valiosos a que os outros autores não tiveram acesso, o maior dos quais ter recebido de Jayme Monjardim, filho único de Maysa, um baú contendo preciosa memorabilia (segundo diz, mais de cem mil recortes de jornais e revistas, fotos raras e o diário íntimo que ela manteve dos 16 anos até a morte). Mas de nada adiantaria esse tesouro se o autor não soubesse administrá-lo e, mais que isso, enriquecê-lo com entrevistas, depoimentos, pesquisa. Como também de pouco adiantaria se Lira Neto não contasse sua história com a clareza que o jornalismo exige.

E como é essa história? Dramática do começo ao fim. É tanto a história da moça bonita e inteligente que fez sucesso sucesso como cantora e compositora quanto a da artista que, nos últimos anos, ainda jovem, não se encontra no teatro e na pintura. É tanto a da dama de sociedade, de sobrenome Matarazzo, quanto a da mulher que manda marido e filho às favas para viver a vida que quer viver. É tanto a da criatura ousada, disposta a enfrentar o preconceito e a intolerância à sua volta, como a que, vencida, tenta várias vezes o suicídio. É tanto a da pessoa corajosa, decidida a levantar seu mundo toda vez que ele cai, quanto a do ser triste, de temperamento instável, derrotado pela depressão e pelo alcoolismo.

Há a Maysa de uma multidão de amores, todos condenados ao fracasso, como há a Maysa só, "enfossada", sem esperança, querendo distância do mundo ("Tenho medo apenas do que não depende de mim: amar e não ser amada, por exemplo").

O abandono do filho, dos 8 aos 16 anos, num colégio interno da Espanha, é das passagens mais impressionantes do livro. Maysa cuidava de sua carreira, inclusive no exterior, enquanto Jayme assistia sozinho, pela TV do colégio — em recesso, durante as férias — o Brasil ser tricampeão no México (é de se suspeitar, na doação do baú a Lira Neto, um gesto com algo de catártico).

Amores infelizes, muitos, entremeiam seus grandes momentos no palco e no disco. O primeiro foi o marido, André Matarazzo, cujo interesse por dona Inah, mãe de Maysa, bem pode ter acelerado seu grito de independência. Impressionante, ainda, a relação de ódio e amor com a imprensa da época. De ódio, pelas críticas e fofocas de que foi vítima. De amor, porque adorava ser entrevistada.

Já o livro de Logullo é mesmo, como o primeiro capítulo já deixa claro, uma biografia romanceada, que ele prefere chamar de "jornada interpretativa", com direito a deduções e a não-foi-mas-poderia-ter-sido. Romanceada no estilo e na imaginação. No estilo, pela constante e gratuita inserção de versos de canção num texto onde o jornalista cede lugar ao literato. E na imaginação pela descrição dos últimos momentos de Maysa ao volante da Brasília que a levava pela Ponte Rio-Niterói.

Pois Logullo nos diz quantos cigarros ela fumou desde Copacabana, que canção de Sinatra ela ouviu no cassete do carro, sua intenção de beber alguma coisa numa lanchonete de Niterói, a falta de reflexos no instante do desastre, tudo isso estando ela sozinha no carro. Os detalhes são narrados, segundo o autor, com "escrita viva, escrita que pulsa". Um exemplo: "Água brilhando, olha a pista chegando. Súbita. Olha a pista do meio chegando. Maysa puxa o carro para a pista da direita. A Brasília faz ziguezague. A motorista vai dançar. Seu corpo todo, balançar. Trepidação. O carro atravessa duas pistas à esquerda. Maysa tem reflexos menos rápidos que as leis da física. Olha a pista chegando, olha os cabos de aço raspando na lateral esquerda, olha a mureta de concreto chegando. E vamos aterrar. O impacto, o impacto, o impacto. No vago aflita olhando. Choque, ruído, vidro craquelado, a força do volante no tórax, assento ejetado, medo, o ser e o nada, o ser é nada. Estou morrendo de saudades..."

"Eu queria ser Maysa", confessa um dos biógrafos

Não apenas o "Samba do avião", mas muitas outras músicas gravadas ou feitas por Maysa alastram-se pelo texto até o fim do livro. Logullo é mais que um fã. "Eu queria ser Maysa", confessa. Rejeitando o acabamento acadêmico, a linearidade e a isenção autoral adotados por Lira Neto, ele opta por uma narrativa pessoal, apaixonada, provocante.

Contudo, original e interessante que seja o resultado, muitas vezes fica-se sem saber ao certo onde, na história contada por ele, terminam suas "reentrâncias pessoais" e começa a verdadeira história de Maysa.

A se comparar os dois livros, diga-se que, enquanto Lira Neto usa seu estilo jornalístico para falar de Maysa, Logullo usa Maysa para exercitar seu estilo de escritor.

2 comentários:

Ana Lúcia Pedrosa disse...

Hoje após uma pequena tour pelo centro da cidade, resolvi parar numa fast-food, para um rápido almoço. Acompanhada estava por minha filha e neto, quando ao sentar me deparei com o Jayme Monjardim na TV falando sobre o seriado "Maysa". Ainda tive tempo de comentar com minha filha que eu era muito fã dela antes de me concentrar na emocionante entrevista e nos olhos marejados do Jayme ao falar sobre o seriado sobre sua mãe. Ele, que sempre me pareceu tão fechado, conseguiu dizer em poucas palavras toda a sensação que é estar dirigindo um seriado sobre a vida da saudosa Maysa e ainda tendo o filho como ator de si próprio. Foi quando ao ouvir um comentário de uma senhora ao lado que percebi que ele conseguiu emocionar todos ao redor com sua dor... apesar da tristeza que sentimos com a perda de uma vida tão talentosa, a impressão que senti foi que, mesmo tendo ido, a Maysa conseguiu deixar um gênio na arte em alegrar/entreter as pessoas, percebi que a genialidade dele é hereditária, Parabéns Jayme, pela iniciativa e pelo amor!!!

Ana Lúcia Pedrosa disse...

Hoje após uma pequena tour pelo centro da cidade, resolvi parar numa fast-food, para um rápido almoço. Acompanhada estava por minha filha e neto, quando ao sentar me deparei com o Jayme Monjardim na TV falando sobre o seriado "Maysa". Ainda tive tempo de comentar com minha filha que eu era muito fã dela antes de me concentrar na emocionante entrevista e nos olhos marejados do Jayme ao falar sobre o seriado sobre sua mãe. Ele, que sempre me pareceu tão fechado, conseguiu dizer em poucas palavras toda a sensação que é estar dirigindo um seriado sobre a vida da saudosa Maysa e ainda tendo o filho como ator de si próprio. Foi quando ao ouvir um comentário de uma senhora ao lado que percebi que ele conseguiu emocionar todos ao redor com sua dor... apesar da tristeza que sentimos com a perda de uma vida tão talentosa, a impressão que senti foi que, mesmo tendo ido, a Maysa conseguiu deixar um gênio na arte em alegrar/entreter as pessoas, percebi que a genialidade dele é hereditária, Parabéns Jayme, pela iniciativa e pelo amor!!!